SILVEIRA, E.M.
O Nó da psicose:
Em qual momento o nó da psicose se rompe e toda a trama da “normalidade” se desfaz levando o indivíduo a surto sem precedentes para a sua história. Levando para tal sua reclusão do convívio social em casas de tratamento psiquiátrico, em tempos pretéritos, os “pacientes eram algemados e largados na própria sujeira, como se arrancar todo o sangue fosse acabar com a psicose” (ILHA DO MEDO, 2010).
Analisando os dois filmes: Uma Mente Brilhante (2001) e a Ilha do Medo (2010), pode-se notar o nó sendo desfeito e toda a relação que isso pode causar: delírios, paranoias, perseguições. Mas com algumas diferenças, pois no primeiro o amor pode ser considerado a “cura” do indivíduo, além de ser uma obra baseada em uma história real de John Forbes Nash, e no segundo a perda do amor de forma dramática ocasionou a permanência do indivíduo no mundo de delírios, além de ser uma obra de ficção.
Tem cura para a psicose?
Em Uma Mente Brilhante que conta a história de John Forbes Nash é um matemático prolífico e de pensamento não convencional, que consegue sucesso em várias áreas da matemática e uma carreira acadêmica respeitável. Após resolver na década de 1950 um problema relacionado à teoria dos jogos, que lhe renderia, em 1994, o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel (não confundir com o Prêmio Nobel), Nash se casa com Alicia, uma de suas alunas. Após ser chamado a fazer um trabalho em criptografia para o governo dos Estados Unidos, Nash passa a ser atormentado por delírios e alucinações. Diagnosticado como esquizofrênico, e após várias internações, ele precisará usar de toda a sua racionalidade para distinguir o real do imaginário e voltar a ter uma vida “normal” assim como seus amigos.
Para Nash abandonar o mundo de delírios e se restabelecer no “real” foi preciso muita dedicação de pessoas que o amavam e necessariamente um esforço hercúleo da parte dele em ignorar aquelas sugestões que seu próprio cérebro produz. “A mais importante descoberta da minha vida é apenas uma misteriosa equação de amor” e “Ele não está sabendo o que é verdadeiro. Imagine que ele de repente percebe que as pessoas, os lugares e momentos mais importantes para ele, não só desapareceram, se foram. Mas pior, nunca existiram.” (UMA MENTE BRILHANTE, 2001).
“E então fiz a descoberta mais importante da minha carreira. A descoberta mais importante da minha vida. É somente nas misteriosas equações do amor que alguma lógica pode ser encontrada. Só estou aqui por sua causa. Você é a razão pela qual existo. Você é toda minha razão” (UMA MENTE BRILHANTE, 2001).
A narrativa do filme difere consideravelmente dos eventos reais da vida de Nash. O filme tem sido criticado por isso, mas os criadores do filme alegaram que nunca pretenderam contar literalmente a vida de Nash. Uma dificuldade foi a representação de sua doença mental e a tentativa de encontrar uma linguagem visual do filme para exprimir isso. Como descrever em imagens o que está no cérebro de uma pessoa? Só a arte, no caso do cinema, a sétima arte, para exprimir tal conceito e nos apresentar um significado desses significantes. “Ainda vejo coisas que não são reais. Escolhi não tomar conhecimento delas como uma dieta da mente” (UMA MENTE BRILHANTE, 2001).
Em contrapartida, na Ilha do Medo, com o título original Shutter Island, o filme de suspense psicológico foi dirigido por Martin Scorsese e lançado em 2010. O longa-metragem foi baseado num romance com o mesmo nome, publicado por Dennis Lehane em 2003.
A trama começa como um suspense noir e se passa em 1954. O marechal americano Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) e seu novo parceiro Chuck Aule (Mark Ruffalo) são encarregados de resolver um caso no Hospital Ashecliffe para criminosos mentalmente perturbados que viajam para as instalações em uma ilha. Logo, são isolados do resto do mundo por uma tempestade.
O diretor Scorsese gradualmente sacode o cenário com sinais muito claros de interferência paranóica. O público percebe que algo está errado e é contagiado pelo desempenho brilhante de DiCaprio e seu medo de perseguição. A grandiosa construção de suspense é alcançada usando meios às vezes incomuns.
“Os loucos são vítimas perfeitas, eles falam e ninguém os escuta. (…) Com características do Surreal, achar que o indivíduo é louco. Uma vez declarado louco tudo o que este fizer é considerado parte da loucura; projetos racionais são negações; medos válidos são paranoias” (ILHA DO MEDO, 2010).
Tudo, pode-se dizer que se concentra no cérebro, este “controla a dor, não tem nada haver com a carne” controlar as sinapses cerebrais é a chave para controlar os efeitos da psicose. “Cria narrativas elaboradas e fantásticas para evitar enfrentar a realidade de seus atos” (ILHA DO MEDO, 2010).
Seria as ilusões um tipo de sonho?
Em dois momentos a fotografia do filme: Ilha do Medo nos remete às pinturas de M.C. Escher, dentre elas: Relatividade (1953) e Cascata (1961), com uma perspectiva cheia de ilusões de óptica por meio do desenho de objetos ou de estruturas impossíveis de serem construídas materialmente. Cheios de pontos de vista, onde subir para cair novamente, essa estética foi usada também na série sul-coreana Round 6. Pode-se verificar no filme nos exatos 1:09:55 (Ala C) e 1:44:56 (no Farol), com essa estética surrealista a fotografia tenta recriar os fragmentos do cérebro psicótico de Edward Daniels (Leonardo DiCaprio) nos apresentando uma confusão ou atordoamento de quem não sabe para onde vai, como um “rato no labirinto”
“Ter que deixar ela ir” seria as visões ou as crianças mortas ou o culpa pelo assassinato da esposa assassina, a dor de não conseguir salvar as crianças, o nó de sua loucura. Como “presente de Deus” recebe a violência, assim como a “natureza é violenta”. O Mal-Estar que Freud nos apresenta, incontrolável, as forças da natureza, como o furacão que passou pela ilha e a afetou seriamente. “Deus adora a violência” (ILHA DO MEDO) nos apresenta o guarda a Edward Daniels e sua frustrada tentativa de negar a violência pela segunda vez.
Admitir que a esposa Dolores matou os filhos sem remorsos e aceitar a realidade e abraçar a cura era pesado para Daniels e viver na fantasia era mais razoável a ponto de aceitar a lobotomia como último recurso. “O que é melhor: viver como um monstro ou morrer como um homem bom?” e “Sanidade não é uma opção. Não se pode optar por reavê-la” (ILHA DO MEDO, 2010).
“Como manter a sanidade frente a tantas irracionalidades que perpassam a vida na modernidade?” (CALDERARI, 2020). Outro filme que pode-se citar seria: Um dia de Fúria (Falling Down, Joel Schumacher, 1993), onde o personagem William Foster / D-Fens (Michael Douglas) tem seu gatilho liberado no engarrafamento causado pela manutenção de uma rodovia, que segundo o personagem não tinha nada de errado. E tudo intensificado pelo desemprego e não conseguir se realocar em outra ocupação.
Com essa síndrome de injustiça, paranóico e carregado de violência, segue o dia inteiro cometendo transgressões e assassinando pessoas com o intuito de “retornar para casa”, mas essa “casa” não existe, o que se tem é a casa da ex-esposa e que tinha uma medida protetiva de distanciamento de William Foster / D-Fens. “Sua jornada é egoísta e sua sanidade é o custo a ser pago pela sua inadequação aos novos tempos” (CALDERARI, 2020).
“Em uma sociedade competitiva, fragmentada e individualizada, o ódio é, como expressão, o último e desesperado recurso para manutenção do ego individual ao custo da autodestruição dos espaços democráticos, no que se traduz como uma espécie de patologia crônica que se manifesta na aversão ao outro e produz a banalização das injustiças sociais” (CALDERARI, 2020).
Segundo TODOROV (1972) elementos sobrenaturais se ligam tanto à Psicose como ao mundo das drogas. (…) “aquele que pensa como um psicótico está condenado pela sociedade de modo não menos severo que o criminoso que transgride os tabus: ele é, assim como este último, encarcerado, sua prisão se chama casa de saúde”.
A inibição pode, então, estar relacionada a graves manifestações psicopatológicas, como o autismo, a psicose, a debilidade, pois estas apresentam-se com um Eu frágil em seu funcionamento pela sua constituição. Tais manifestações indicam problemas na formação do Eu, desde a sua organização implicando um investimento inicial por um agente da função materna, até a construção de possibilidades de diferenciação desse outro. Tem-se, portanto, um Eu frágil no funcionamento pela sua constituição.
Bibliografia:
FREUD, S. (1930 [1929]) O mal–estar na civilização. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
GUERRA. Andréa M. C. A Psicose. Série: Passo a Passo. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1972.
ROUDINESCO, Elizabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro e Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
CALDERARI, Egon Bianchini. A Descompensação do Indivíduo e a Fragmentação do Coletivo em Um Dia de Fúria. In: Nuevo Blog, 24 out. 2020. Disponível em: https://nuevoblog.com/2020/10/24/a-descompensacao-do-individuo-e-a-fragmentacao-do-coletivo-em-um-dia-de-furia/. Acesso em: 09/12/2022.
BRANCO, Felipe Castelo. Em que se pode reconhecer o estruturalismo em Lacan ou o problema da melancolia como estrutura clínica.
M.C. ESCHER. Relatividade (1953) e Cascata (1961). In: Coleção MC Escher. Disponível em: <https://mcescher.com/>. Acesso em: 09/12/2022.
FILMOGRAFIA:
ILHA DO MEDO. Direção: Martin Scorsese. Paramount Pictures. 2010. 1 Blu-Ray (138 min). fullscreen. color. legendado.
UMA MENTE BRILHANTE (A Beautiful Mind) Gênero: Drama – Duração: 135 min – Lançamento: 2001 – País: EUA.
UM DIA DE FÚRIA. Falling Down (Original). Direção: Joel Schumacher. Gênero: Drama Policial Thriller – Duração: 113 minutos. Lançamento: 1993 – País: EUA.