GUERNICA: UM GRITO NA PAREDE

Resumo: O texto se debruça sobre as contribuições de Pablo Ruiz Picasso na produção de pintura histórica, quando este se remete a um momento delimitado, na questão do bombardeio da cidade basca de Guernica. Nossa análise se baseia na obra Guernica onde podemos visualizar uma crítica ao momento histórico impregnado na pintura do autor, mormente em sua relação com o movimento modernista.

Palavras – chave: Guernica, Pablo Picasso, movimento  modernista, pintura, cubismo, futurismo, surrealismo, história e guerra, século XX.

INTRODUÇÃO:

No presente artigo, queremos demonstrar a influência de Pablo Ruiz Picasso na pintura de história, bem como os pressupostos que lhe serviam de base em sua pintura e produção de artes e principalmente uma crítica do pintor ao período histórico, como ao momento da elaboração de um dos seus principais quadros – Guernica, que por ventura possam ter impregnado o imaginário do pintor.

A análise de uma pintura de arte é muito subjetiva, principalmente quando se trata de um quadro  modernista, onde não temos uma resposta acabada, são possíveis várias interpretações, mas nenhuma que seja final e acabada, cada observador pode chegar a suas próprias conclusões.

Na Arte Moderna um quadro é um quadro e não uma janela, onde nos remete uma ideia ilusória que retorna ao observador, podendo construir sua própria interpretação de uma obra, principalmente obras surrealistas, onde o impressionismo não necessariamente remete a uma figura acabada.

O Cubismo impôs a um mundo incrédulo, a ideia de que as formas na arte não necessitam ser descritivas, assim como Guernica revela formas muito mais expressivas. Esta tela é uma manifestação pictórica de episódios violentos, numa atmosfera angustiante e trágica criada por entrecruzamentos abruptos de linhas. É a imagem da desumanidade do homem contra seus iguais (GRANDES ARTISTAS MODERNOS, 1991). 

O colossal painel pode ser entendido como sendo um grito de dor sentido pelo pintor, dos ortos e feridos ao embate que correu na cidade espanhla de Guernica em 26 de abril de 1937, onde a aviação nazista, em coloboração com os rebeldes liderados por Francisco Franco, bombardeou por três horas a cidade (HOBSBAWN, 2004). Como também pode ser entendido como uma profecia da violência com o fascismo iria flagelar a Europa e o Mundo (VIANA, 1999).

VIDA E OBRAS:

Pablo Ruiz Picasso nasceu às 11h15’ do dia 25 de outubro, na cidade de Málaga, no sul da Espanha, filho do pintor José Ruiz Blasco e María Picasso y López. Único menino da família, com bela aparência e talento precoce,logo se viu da adulação e do afeto que o acompanhariam vida afora.

Seu pai era artista de pouca repercussão. Além da pintura, era professor de desenho e curador de um museu local. E justamente com sua esposa incentivaram o aprendizado do pequeno Ruiz. Aluno de pouca atenção gastava quase todo o dia com aprendizagem das técnicas de desenho. 

Era incendiado pelo pai – Don José – a desenhar segundo diretrizes da arte acadêmica. E certa vez chegou a dizer:  “Quando eu tinha essa idade [era criança] sabia desenhar como Rafael, mas precisei de uma vida inteira para aprender a desenhar como uma criança” (VIANA, 1999).

Em 1895 inicia seus estudos na Escola de Belas Artes de Barcelona, onde, desde 1970, funciona o Museu Picasso, com obras dos tempos de juventude, quando ele costumava pintar e expor no célebre bar Els Quatre Gats.

Participa da Exposição Universal, em Paris, no ano de 1900. Quatro anos depois, se instalaria definitivamente na cidade, passando a viver no Bateau – Lavoir, cenário da sua fase Azul, do nascimento do cubismo e do seu primeiro amor, a bela Fernande Olivier.

Já em 1901 descobre a fotografia, uma de suas novas paixões e em 1907, pinta Lês Demoiselles d’Avignon inspirado em máscaras africanas e, com a obra, dá impulso totalmente novo à sua carreira e à arte moderna.

Picasso reúne-se com um grupo de pintores na cidade francesa de Céret, nos Pirineus, em 1911, e dá forma consistente aos princípios do cubismo, a primeira grande revolução  da arte moderna neste século, com suas enigmáticas imagens da realidade.

Casa-se com a bailarina russa Olga Khokhlova, em 1918, que em 1921 se tornaria mãe de Paulo, o primeiro dos seus quatro filhos. Da união com Marie-Thérèze Walter nasceu Maya, em 1935. Com Françoise Gilot, com quem passou a viver nos anos 40, teve Paloma e Claude.

Em 1923, pinta um óleo de sua mãe, uma mulher possessiva e enérgica personagem que regia o seu mundo interior e cujas formas ele iria reproduzir, com diferentes traços, nas faces de múltiplas mulheres.

Já em 1925, abraça o surrealismo e pinta mulheres fatais, muitas vezes deformando-as com cólera. E em 1932, produz uma das grandes obras-primas, Jovem Diante do Espelho, e na figura de uma mulher solitária e grávida, impregnada de significados mitológicos, captura algo universal e eterno da mulher, expõe todo o seu sentimento antifeminista: a insatisfação com seus amores e os retratos que mostravam uma mulher independente e disposta a conquistar a liberdade.

Em 1935 em meio à violenta crise familiar, dá forma a uma série de pinturas, tendo o Minotauro como tema. E em 1936, no restaurante Les Deux-Magots conhece a fotógrafa e pintora Dora Maar, a musa dos surrealistas, que seria sua amante até 1945.

Em maio e junho de 1937, pinta Guernica, a sua obra mais política, que revela sua perplexidade diante dos horrores causados pelo bombardeio à cidade basca de Guernica, no norte da Espanha. A obra permaneceria por 42 anos no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).

Filia-se ao Partido Comunista Francês em 1944 e em 1956, temos a primeira grande mostra de obras de Picasso, mostrando inclusive a enorme tela de Guernica na 2ª Bienal de São Paulo.

Um ano depois pintará: La Chulte d’Icaro inspirado no Sputnik, quadro que vai antecipar o nascimento da era da informática. E em 1961, casa-se com Jacqueline Rocque, que conheceu nove anos antes numa galeria de cerâmica, em Vallauris, no sul da França. No ano seguinte recebe o Prêmio Lênin da Paz. Em 1970, Picasso recebe o título de Cidadão de Paris.

E no dia 08 de abril de 1973, num domingo, morreu Pablo Picasso na mansão de Notre-Dame-de-Vie. Estava com 91 anos e deixou uma fortuna estimada em US $500 milhões. Pelo ecletismo, originalidade e “violação das linguagens tradicionais”, seria considerado o responsável pela maior ruptura na história das artes desde a Renascença (VIANA, 1999).

O DADO HISTÓRICO:

A obra Guernica de Pablo Picasso tem como tema o bombardeio à cidade basca de Guernica, no dia 26 de abril de 1937, que culminou com a morte de 1654 pessoas e 889 feridos. Pode-se dizer que a tragédia de Guernica começou em julho de 1936, quando o exército, liderado pelo General Franco, se revoltou contra o governo da II República Espanhola, dando origem à guerra civil espanhola, que terminou em 1º de abril de 1939 com a vitória dos revoltosos. Ainda em julho, mais precisamente na noite do dia 25, Hitler decidiu apoiar o General Franco.

O apoio de Hitler a Franco ocorreu por dois motivos básicos: a) primeiro porque os nazistas não precisavam investir muito neste apoio. O que Franco queria era apenas alguns aviões e armas; b) o segundo motivo, mais significativo para Hitler, se Franco conseguisse conter o comunismo na Espanha, desestimularia também as tentativas de se implantar o bolchevismo na França.

Cerca de um mês depois, chegou à Espanha a Legião Condor, composta por oito esquadrões, sendo quadro de bombardeiros e quatro de combate. O acordo firmado com Hitler dava grandes poderes aos nazistas, que eram subordinados apenas a Franco.

Desde o início, o conflito baseou-se na ocupação de Madri, que, de imediato, foi ocupada pelas tropas de Franco. Os revoltosos dominavam ainda a região da Andaluzia, ocupando Mérida e Badajoz. Os republicanos, por sua vez, ocuparam a fronteira com a França. Em março de 1937, ao término da batalha de Guadalajara, os Republicanos ocuparam a região de Madri.

Em contrapartida os revoltosos, com apoio da aviação Alemã, Legião Condor, tomaram Bilbao, Santander e Gijón. Em julho de 1938, os Revoltosos venceram a batalha do Ebro, o que possibilitou a sua chegada à Catalunha. 

Entre fevereiro e março de 39 os Revoltosos lançaram sua ofensiva final e, a 28 de março, as tropas de Franco entraram em Madri, encerrando-se assim a guerra civil espanhola.

Como pode ser observado, os primeiros ataques dos nazistas foram alvos importantes situados em Bilbao. Com a perda de Madri, os revoltosos necessitavam abalar, de alguma forma, os Republicanos. Para isso, adotaram a estratégia de bombardear, ininterruptamente, um alvo qualquer com bombas de fragmentação e incendiárias. O alvo escolhido, muito provavelmente por Franco, foi à cidade de Guernica. 

Essa escolha deve-se aos seguintes motivos: a) Guernica não tinha população numerosa e nem proteção antiaérea, ou seja, a cidade era um alvo fácil; b) a cidade abrigava um velho carvalho (Guernikako arbola). Sob o qual, desde os tempos medievais os monarcas espanhóis juravam respeitar as leis e costumes dos bascos. Destruir a cidade seria uma espécie de castigo a todos os que imaginavam uma Espanha federalista ou descentralizada. Destruir Guernica significava também abalar, moralmente, os adversários. 

O ataque à cidade de Guernica ocorreu no dia 26 de abril de 1937. Era uma 2ª feira, dia em que vários camponeses se reuniram na cidade para comercializar os seus produtos na feira-livre. Pouco antes das cinco da tarde, quando a praça ainda estava bem cheia, os ataques começaram: primeiro, os aviões Heinkels-11, lançaram bombas sobre o lugarejo. 

Desesperados, os sobreviventes correram para os arredores da cidade onde foram alvos das rajadas de metralhadora disparadas pelos caças nazistas. O saldo do ataque, que durou cerca de três horas, foi de: 1.654 mortos e 889 feridos, ou seja, para uma população de sete mil habitantes, cerca de 38% dos habitantes da cidade foram mortos ou feridos. A repercussão negativa do ataque nazista a cidade de Guernica foi tão grande que os jornais do mundo inteiro a noticiaram (VIANA, 1999). 

A tela Guernica de Picasso foi exibida pela primeira vez em 1937, durante a Exposição Internacional de Paris no pavilhão da República Espanhola. 

Picasso, que estava engajado com a causa republicana e antifascista da Guerra Civil Espanhola, pretendia que sua obra fosse uma espécie de instrumento de denúncia contra as atrocidades da Guerra Civil espanhola e contra a eterna desumanidade do homem.

O quadro gerou muita polêmica, tanto nos meios políticos como nos artísticos. Alguns críticos disseram que a obra era abstrata demais para servir de instrumento de denúncia social. Outros, como sempre, criticaram o artista, dizendo que arte e política não devem ser misturadas. Toda essa polêmica fez com que a obra ganhasse o “status” de uma das produções artísticas mais significativas do séc. XX” e fez com que seu autor se consagrasse como o mais importante artista de vanguarda da época. 

Atualmente a obra Guernica encontra-se no Centro de Arte Rainha Sofia, em Madri. No entanto, ela ficou durante um longo período no museu de Moderna de Nova York.

UM OLHAR SOBRE O QUADRO

Guernica Picasso - óleo sobre tela
Guernica Picasso – óleo sobre tela

O quadro Guernica tem uma proporção de 3,49 x 7,76 m e foi pintado com óleo sobre tela. Em tons de cinzas e pretos, não existindo um colorido, como são característicos os quadros no modernismo. Com isso, Picasso pretendia mostrar com isto os horrores da guerra, a angústia, o terror e a destruição.

A composição está distribuída de modo triplo, ocupando um cavalo agonizante no painel central. No total o quadro reproduz seis seres humanos e três animais. Picasso procurou enquadrar os grupos em posições triangulares, sendo mais importante a área central.

Nossa observação partirá da direita para a esquerda de quem observa o quadro. Onde podemos destacar a figura  de uma mulher que cai envolvida em chamas, com os braços levantados, boca aberta e pescoço muito comprido. Esta figura pode representar uma mulher que está apavorada devido aos seus traços torcidos, tenta deter as bombas que são lançadas sobre a cidade.

Uma outra hipótese é que essa figura faz analogia à figura principal da obra “El tres de mayo de 19808 en Madrid: los fusilamientos en la montaña del Príncipe Pío (1814)” de Francisco de Goya. O fato de o quadro de Goya também ser motivado por um ato de brutalidade contra pessoas inocentes reforça essa teoria.

Goya - OS FUZILAMENTOS DE TRÊS DE MAIO
Goya – OS FUZILAMENTOS DE TRÊS DE MAIO – Detalhe
Guernica - Picasso - Homem Fuzilado
Guernica – Picasso – Homem Fuzilado
Goya – OS FUZILAMENTOS DE TRÊS DE MAIO – 03 de maio de 1808 – Óleo sobre tela

Na lateral direita inferior, pode-se ver a figura de uma mulher que parece sair da escuridão para dentro do cone de luz. Sua expressão de completo esgotamento, como se carregasse um grande fardo, e seu rosto erguido na direção da luz pode ter certa semelhança com as imagens de Jesus Cristo carregando a cruz na Via Sacra. Essa imagem talvez seja uma tentativa de exprimir o sofrimento humano, mas sem simbolizar explicitamente o cristianismo.

Podemos observar a imagem do Nazareno, no quadro de Aldo Locatelli, como sendo semelhante a posição da personagem de Picasso, mas só que de forma inversa, como se fosse um espelho.

Não queremos sugerir que tal personagem picassiana seja uma personificação de Jesus Cristo, ao contrário, a questão é a posição horizontal do corpo, assim como a de Cristo, e seu enorme esforço para se levantar, como no caso de Picasso a mulher nada carrega, mas nos remete a tal ideia, a ponto de sugerirem nesta figura a função de carregar todo o peso do quadro.

Guernica – Picasso – Mulher carregando uma cruz invisível.
Aldo Locatelli – A Via Sacra (sem data) – Óleo sobe tela (sem dimensão) – Igreja de São Pelegrino, Caxias do Sul.

No lado direito superior e ao centro, logo ao lado da figura de uma mulher com os braços levantados, vemos uma figura que parece surgir, suavemente, por debaixo das telhas. Essa figura, com o rosto dominador, e que vem do infinito, olha horrorizada para o cavalo ferido. Repare que ela está boquiaberta, como se não acreditasse no que estivesse vendo, como se fosse uma testemunha ocular do enorme terror por que passava a cidade basca.

Sobre esta figura, que nos remete a uma mulher que entra pela janela sustentado com seu braço uma lâmpada, uma figura que surge no campo de modo surrealista, olhando a cena horrorizada e iluminando o massacre com sua luz lámpida.

Alguns autores poderiam trata-se de uma alegoria fantasmagórica da república espanhola,mas poderia não se tratar de nenhuma alegoria, porém uma simplificação de uma figura que olha horrorizada o bombardeio, com um semblante decomposto, com um olhar ausente, quase em estado de “shock”

Guernica - Picasso - Cabeça
Guernica – Picasso – Cabeça

No centro superior da tela, próximo à cabeça do cavalo, existe um braço, que se parece como uma nuvem. A sua mão disforme, que pode pertencer a cabeça feminina que surge flutuando pelo quadro e que segura uma lamparina a óleo, muito comum nas casas de camponeses. Essa lamparina emana uma luz suave, que talvez represente a luz da consciência ou da paz.

Guernica - Picasso - Cabeça e braço
Guernica – Picasso – Cabeça e braço

Ao lado da lamparina, sobre a cabeça do cavalo, está uma espécie de lâmpada elétrica. Devido ao seu formato de sol, essa figura pode sugerir o “olho de Deus”, que observa tudo e tudo vê. Outro detalhe que podemos observar é que essa luz parece “gritar de horror” para o caos que se observa logo abaixo.

Guernica - Picasso - Lâmpada
Guernica – Picasso – Lâmpada
Guernica – Picasso – Lamparina

Na parte central do quadro, vemos um cavalo que agoniza. Repare que ele está caído de joelhos, como se estivesse sentindo as terríveis dores causadas pela lança fincada em seu corpo e por uma enorme ferida ainda aberta. 

A cabeça do cavalo está voltada para o touro, e da boca do cavalo parece sair um rugido feroz, um misto de ira e dor. Observemos que esse “urro” parece estar direcionado para a figura do touro, ao lado. O cavalo pode representar a angústia do povo espanhol. No entanto, essa figura é ambígua, pois segundo alguns críticos de arte, o cavalo, devido aos traços rígidos, que beiram o patético, representa o general Franco, sendo uma alegoria do bem e do mal, pois considera que ele pisoteia o guerreiro despedaçado pelo chão.

Guernica - Picasso - Cavalo
Guernica – Picasso – Cavalo

No lado esquerdo da tela encontra-se o touro. Essa é também uma figura ambígua, pois nele pode estar representada a resistência do povo espanhol. No entanto, o touro, que representa brutalidade, pode simbolizar, também, o general Franco.

Alguns autores consideram o touro como sendo uma alegoria da dor, pois vira a sua cabeça para a mãe que chora sem se importar com a dor física, tendo um semblante de indiferença ao fato em si, por outro lado, outros textos consideram como sendo um símbolo heroico do povo espanhol.

Podemos reparar que o touro está parado, abanando a cauda, como se, “após um ataque bem-sucedido”, recuasse para ver os “estragos feitos no adversário” e se preparasse para o próximo ataque. A presença do touro deve-se também ao fascínio que Picasso sempre teve por touradas, esporte nacional, que aparece frequentemente em suas obras.

Questionado sobre a ambigüidade existente entre as figuras do touro e do cavalo Picasso disse que o touro era um touro e o cavalo era um cavalo, sendo símbolos, estes deveriam ser lidos por cada um de nós, como os compreendemos e como pensamos ser de melhor entendimento no contexto geral de Guernica.

Além do mais, o touro é parte do equilíbrio do quadro, em comparação com a casa em chamas do outro lado da tela. Sendo importante para a leitura do quadro. Outra interpretação que podemos chegar nessa figura do touro é uma semelhança ao Minotauro, personagem grego mitológico responsável de implementar o terror entre as pessoas que adentravam na sua prisão, o labirinto.

Guernica – Picasso – Touro

Dentre tantas figuras complexas existentes em “Guernica”, a mãe, que carrega uma criança morta nos braços, talvez seja a de mais fácil interpretação, pois se remetermos a obra de Michelangelo – A Pietà –  onde temos a Virgem Maria segurando nos braços o corpo do filho, Jesus, morto pela crucificação no calvário.

Guernica - Picasso - Pietá
Guernica – Picasso – Pietá
Pietá da Renânia - escultura em madeira de tília pintada, séc. XIV
Pietá da Renânia – escultura em madeira de tília pintada, séc. XIV

Michelangelo, Bonarotus – A Pietá, escultura em mármore, 174 x 69 cm. Basílica de São Pedro, Itália.

Além da imagem “clássica” de Michelangelo, podemos encontrar certa semelhança da personagem de Picasso como uma figura de uma Pietá Gótica, onde as distorções em ambas são parecidas, mesmo sendo que Picasso não tivesse visto tal figura, podemos chegar a tal observação devido a descoberta dessas imagens.

A figura da mãe ainda ajuda, numa possível interpretação para as figuras do touro e do cavalo. Podemos observar que a mãe está quase que envolvida pelo touro e seu grito parece ir, praticamente, em sua direção. Considerando a figura do touro como a representação simbólica do povo, a figura da mãe procura a proteção do povo e “grita” para compartilhar a sua dor com ele.

No entanto, entendendo a figura do touro como sendo o General Franco, podemos dizer que a mãe procura fugir, já com o filho morto, do meio de todo aquele horror, pois ela parece caminhar em direção à porta. Contudo, o touro a impede de passar. Essa teoria é reforçada pela própria história, pois quando os sobreviventes do ataque aéreo tentaram fugir para os arredores da cidade, eles foram alvos das rajadas de metralhadora disparadas pelos aviões nazistas.

Além disso, a semelhança entre a língua pontiaguda da mãe com a língua, também pontiaguda, do cavalo permite concluir que tanto o cavalo como a mãe “gritam” de forma semelhante, ou seja, ambos são vítimas da brutalidade em que se encontram no campo de batalha.

Toda a lateral inferior esquerda do quadro é ocupada por uma figura totalmente mutilada, que pode ser assemelhada a uma espécie de guerreiro. Observemos que, apesar de ter a cabeça e os braços cortados, o guerreiro está agarrado a uma espada quebrada, simbolizando assim a luta e a resistência do povo espanhol, em Guernica. Próxima a sua mão, ainda contraída em torno da espada quebrada, encontra-se uma flor, símbolo da esperança de uma nova era que possa, num futuro surgir. A flor, símbolo da esperança, quase que unida à espada, símbolo da resistência, juntas, podem transmitir uma mensagem de que enquanto houver resistência haverá esperança. 

O outro braço do guerreiro acaba numa mão forte e cheia de calos e com linhas muito fortes como sendo de um trabalhador braçal que por força maior à sobrevivência teve de pegar em armas para lutar pela liberdade de seu povo.

Na palma dessa mão, entre as essas linhas podemos observar desenhado uma estrela de cinco pontas. Esta estrela pode, também, ser entendida como sendo um ponto de esperança dentro de um panorama tão desesperançoso, assim como a Estrela-de-Belém foi uma guia para se chegar a uma nova era, repleta de amor e esperança. Como também, nada pode significar para a compreensão do quadro.

Guernica - Picasso - Soldado/camponês
Guernica – Picasso – Soldado/camponês

A cabeça da personagem foi arredondada como se fosse um ângulo redondo. Contudo, cabeças cortadas existiram na história da arte em grande expressão. Pertencentes quase sempre a mártires, mas não possuíam os olhos completamente abertos como os de Picasso. Como podemos observar no quadro Degolação de São João Batista de Victor Meirelles e na obra de Pedro Américo, com  quadro do Tiradentes esquartejado. Em ambas as pinturas a morte é inerente, além das cabeças e suas expressões lânguidas bem semelhantes. O corpo desmembrado, esquartejado do guerreiro se converte em símbolo visual da matança que ocorreu em Guernica.

Victor Meirelles. Degolação de São João Batista, 1855. Óleo sobre tela, 130 x 97 cm. Museus Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro – RJ.
Pedro Américo de Figueiredo e Melo. Tiradentes esquartejado, 1893. Óleo sobre tela, 2.66 x 1.64 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora – MG.

Sabemos que a morte de ambas as personagens dos quadros foram diferentes, São João Batista fora morto pela degolação, mas Tiradentes foi enforcado antes de ter sua cabeça arrancada, mas em ambos temos expressões de paz e tranquilidade perante a morte. O que queremos realçar é o uso de cabeças cortadas em pinturas históricas, assim como Picasso irá se apropriar de seu quadro para mostrar a morte de um “inocente”.

Com base no desenho dos olhos das figuras no quadro podemos constatar o seguinte: os olhos do touro e do guerreiro, pertencem a entes masculinos, são de forma ovalada de pontas agudas. Já nas duas “mulheres”, das laterais do quadro, podemos observar que são de forma de lágrimas, pertencentes a um outro grupo, que é o preferido de Picasso, para expressar o extremo sofrimento feminino. Em contrapartida, os olhos das mulheres restantes e do cavalo estão constituídos de um círculo e um furo central, representando melhor um dolorida surpresa.

CONCLUSÕES:

A obra Guernica de Pablo Picasso, apesar de estar baseada em um fato teoricamente isolado, é uma espécie de reação contra a eterna crueldade do homem contra o povo de Guernica, mas também qualquer ato de opressão cometido contra a liberdade do indivíduo. Assim, entender Guernica é, além de compartilhar como o povo espanhol todo o sofrimento vivido na época, uma forma de jamais se esquecer de todas as atrocidades causadas por regimes repressivos semelhantes: Fascimo, Nazismo, entre outros.

A temática do quadro é de suma importância, mas em alguns casos pode ficar em segundo plano sendo um simples pretexto para o pintor desenvolver sua obra. Foi assim com Picasso, pois a cena da cidade em chamas serviu de inspiração para a produção de Guernica. Levando em conta que, o mesmo, passava por uma crise amorosa, e do caráter propagandista do quadro, que de certa forma poderiam ter interferido no estado criativo do grande mestre.

Picasso, assim como o breve Século XX, foi repleto de grandes mudanças que geraram transformações inerentes de todas as maneiras. Com isso não conseguimos esgotar todas as interpretações possíveis que a obra nos apresenta, mesmo porque isso seria impossível. Como o próprio Picasso tinha nos advertido de várias interpretações, este nunca quis revelar os detalhes e sua interpretação para elementos que o compõem, pois considerava irrelevante e sendo o mais importante a ideia subjetiva que cada um conseguisse abstrair dela.

Picasso imortalizou a cidade de Guernica quando pintou o quadro e serviu de propaganda contra o fascismo. Além de que ele tinha a ideia de que sua obra seria contemplada por pessoas especialistas em artes, como também pessoas leigas no assunto,por isso, a mensagem em seu quadro tinha de ser clara e objetiva para melhor expressar todo o seu modo de ver o trágico acontecimento.

E podemos considerar as mulheres em Guernica como sendo a imagem da humanidade inocente e indefesa convertida em vítima, considerando no quadro repleto de personagens que remetem a figuras femininas, além que, podemos pensar que a cidade de Guernica em guerra e os homens estavam no campo de batalha, consequentemente a cidade tinha uma maior população de mulheres, velhos e crianças.

Cada elemento que compoem o quadro e picasso – o Touro, o Cavalo (onde alguns autores consideram um égua, pela falta de traços masculinos no animal), as mulheres (símbolos da inocência) e o guerreiro (retrato do trabalhador braçal, saindo em defesa de sua casa/cidade/país) – corrobora com a ideia de que cada um dos elementos formam um equilíbrio complexo e indissolúvel. 

O uso da luz neste quadro nos remete a uma cena noturna, devido a baixa luminosidade onde se encontram os personagens. Toda a cena resume o massacre em Guernica se passa no interior de uma casa, pois podemos notar o mobiliário – uma mesa, janelas e portas – onde a luz é artificial, no caso do quadro luzes de várias fontes, tanto elétrica como de lamparinas.

Podemos entender Guernica como um grito na parede, um mural que nos dá um enorme “soco” em nossos sentidos, remetendo-nos para as tramas e consequências de um sofrimento de pessoas inocentes. Onde seus observadores se emocionam na contemplação. Grande parte desse efeito se deve a recriação da linguagem cubista, que era a mais radical dos vários modos utilizados por este artista, vivificadas nas deformações dos poetas surrealistas.

De nenhuma outra forma não se poderia conseguir condensar todo o século XX em apenas uma única obra – Guernica – pois não representa o bombardeio de apenas uma cidade basca, mas sobrepassa as circunstâncias, presente na tragédia da guerra, ao desafortunado sucesso do ser humano.

As informações sobre feitos concretos são inexistentes, mas as intensidades do horror e da violência saltam do quadro na primeira olhada, é um quadro muito perturbador, pois todos são vítimas, desde homens a animais.

Picasso irá retratar o primeiro massacre de civis, que se repetirá anos mais tarde,com a Segunda Grande Guerra Mundial, no massacre de judeus, na sua maioria, pelos alemães.

BIBLIOGRAFIA:

CUMMING, Robert. Para entender a arte. São Paulo: Ed. Ática.

PROENÇA, Graça. História da Arte. São Paulo: Ed. Ática.

JANSON, H. W. História Geral da Arte – O Mundo Moderno, São Paulo: Martins Fontes.

HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos – O breve século XX (1914 – 1991). São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 2a ed. 

História do Século 20, volume 4 – Abril Cultural.

VIANA, Francisco. Pablo Picasso. Gente do século. São Paulo: Editora Três, 1999.

Os Grandes Artistas Modernos – Picasso. São Paulo: Nova Cultural, 1991. 2ª ed.PICASSO – Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1995 – 1998. pp. 4595 – 96.

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